“Porque ser normal neste mundo é ser louco. E ser enquadrado neste mundo, é em primeiro lugar, ser alguém que serve para o palco alheio, para peça escrita pelos outros, para o roteiro definido por terceiros e ao final, como a morte é solitária, sem a palma de ninguém, apenas com uma biografia vazia e absolutamente infeliz.

Hamlet (Peça de William Shakespeare) morreu como um doce príncipe, tendo purgado do mundo todos que viveram papéis distintos, um preço alto, épico, teatral e retórico. Nós podemos aprender com o príncipe, a capacidade de viver numa casca de noz e descobrir que a felicidade, que a busca da consciência, que a crítica social, que a ação política, que o engajamento, não dependem nem do lugar, nem da hora, nem do momento, mas apenas exclusivamente daquilo que eu decida para aquela casca de noz onde ele encontra todo universo.

Todo universo está contido na minha consciência, porque é a única coisa que eu tenho. Eu sozinho, lendo um livro, ou eu trocando ideias, como eu troco essa noite com os senhores, é um momento que as nossas consciências se questionam, avançam. E eu posso dizer (realmente quem eu sou) muito longe do espírito de autoajuda que diz: aceite-se e você será feliz.

Tente descobrir vagamente quem você é, então você não será feliz, mas sua consciência vai pelo menos fazer com que você não seja falso, vazio e comum, e que você pare de postar felicidade falsa, que não convence mais ninguém, há muito tempo nem a você mesmo. Por isso que você passa cada vez mais horas postando ao celular, porque a dose da droga tem que aumentar à medida que o corpo resiste a ela.

Hamlet está nos dizendo: Digam ao celular, digam ao computador, digam ao emprego, digam a roupa, digam a família, digam a academia, digam a tudo, pelo menos uma vez na vida quem é que manda. Porque até o momento são eles que mandam, Hamlet está dizendo: Comece a fazer algo, porque se você não fizer, em breve o resto será silêncio.

E esta é a lição do príncipe, e cada vez que eu leio o príncipe, eu me envergonho de ser muito menos, do que a consciência dele é. Eu me envergonho de ainda ser tão social, tão enquadrado. Eu me envergonho de várias coisas e me alegro que aqui, na minha contradição, na minha hipocrisia, na minha absoluta mediocridade, eu consigo olhar para o príncipe e dizer: Eu gostaria de um dia, ao envelhecer, pelo menos tentar ficar sábio”.

Assista no vídeo abaixo um trecho da palestra de Leandro Karnal, sobre Hamlet de Shakespeare e o mundo como palco, no Café Filosófico no dia 24/04/2015, na qual ele afirma que ser enquadrado neste mundo é, em primeiro lugar, ser alguém que serve para o palco alheio, para a peça escrita pelos outros.






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