Não se importar mais é o fim da relação. Você não se importa mais com o horário em que a pessoa volta. Você não se importa mais em saber com quem ela anda falando ao telefone. Você não se importa mais em dizer “bom dia” ou comemorar o fim do trabalho. Você não se importa mais em repetir o que não foi ouvido, em ouvir o que você não entendeu. Você não se importa mais em compreender aonde a pessoa quer chegar com a conversa. Você desce antes do fim da linha.

Você não se importa mais em opinar sobre a aparência do seu par, em corrigir a gola torta, em colocar a etiqueta para dentro da camisa, em avisar dos cadarços soltos. Você não se importa mais com a falta de romance, com a amizade pela metade. Você não se importa mais com as formas de gelo vazias. Acha que elas são até bonitas, revelam o estado ártico de sua alma. Você não se importa mais com a bagunça ou com o excesso de ordem.

Você não se importa mais se o arroz foi feito com pouco sal ou se o feijão veio muito temperado. Você não se importa mais com a ponta quebrada do lápis, com a caneta sem tinta. Você não se importa mais com viagens canceladas ou encontros desmarcados. Você não se importa mais em escovar os dentes para logo poder beijar, em passar perfume para logo poder abraçar. Você não se importa mais em corrigir comportamentos impróprios ou criticar desatenções.

Você não se importa mais em consertar a goteira da torneira ou parar de vez com o barulho atordoante de moedas caindo do chuveiro que pinga. Você não se importa mais em salvar abelhas que nadam na sua xícara de café ou mudar a rota das formigas sob o perigo da mangueira ligada no pátio. Você não se importa mais se a sua roupa delicada acabou posta indevidamente na máquina de lavar junto do jeans. Você não se importa mais se é final de semana ou segunda-feira.

Você não se importa mais em mostrar a lua cheia. Você não se importa mais em virar para o lado e dormir. Você não se importa mais com o que o outro está sentindo ou o que vai pensar a seu respeito. Você não se importa mais com a duração do seu silêncio, com a duração da sua distração. Você não se importa mais em ficar só. Tem, inclusive, estranho alívio quando ninguém se encontra em casa.

Você não se importa mais, jamais porque amadureceu, ou atingiu o Nirvana, ou obteve um difícil discernimento das diferenças entre o casal, ou simplesmente superou as bobagens, mas porque está cansado de tudo sempre igual, sem nenhuma mudança imprevisível, sem nenhuma nova esperança. Você agora tem camadas e camadas de indiferença sobre a pele. Demora para reagir ao toque. Demora para se fazer presente. Deixar de amar é não se importar mais com o que já foi importante um dia.

Texto do escritor e jornalista Fabrício Carpinejar






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