O escritor e psicanalista francês, Jacques-Alain Miller numa entrevista realizada por Hanna Waar e publicada na Psychologies Magazine, traz importante reflexão acerca do amor e de reconhecer que se tem necessidade do outro.  Selecionamos alguns excertos. Confira:

O que é amar verdadeiramente?

“Amar verdadeiramente alguém é acreditar que ao amá-lo, alcançará uma verdade sobre si. Amamos aquele que conserva a resposta, à nossa questão: ‘quem sou eu?’.
Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers – se posso dizer – homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que creem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias”.

É possível ser feliz sozinho?

“Lacan dizia que amar é dar o que não se tem. Isso quer dizer que amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua ‘castração’, como dizia Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco cômico em um homem. Porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na realidade, não está seguro de sua virilidade”.

“O amor é sempre recíproco”, dizia Lacan

“Falam esta frase sem compreendê-la ou compreendendo-a mal. Ela não quer dizer que é suficiente amar alguém para que ele vos ame. Isso seria absurdo. Quer dizer: ‘Se eu te amo é que tu és amável. Sou eu que amo, mas tu, tu também estás envolvido, porque há em ti alguma coisa que me faz te amar. É recíproco porque existe um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amor diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças’. Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação”.

As vezes você ama alguém a vida toda por causa de único traço em particular

“Existe o que Freud chamou de ‘Liebesbedingung’ que é a condição do amor, a causa do desejo. É um traço particular – ou um conjunto de traços – que tem para cada um função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às neurociências, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Traços às vezes ínfimos estão em jogo. Freud, por exemplo, assinalou como causa do desejo em um de seus pacientes um brilho de luz no nariz de uma mulher”.

“É verdade que, sobretudo no homem, se encontram as causas do desejo, que são como fetiches cuja presença é indispensável para desencadear o processo amoroso. Para as mulheres, as particularidades miúdas que relembram o pai, a mãe, o irmão, a irmã, tal personagem da infância,  têm seu papel na escolha. Porém, a forma feminina do amor é, de preferência, mais pela crença no amor, do que fetichista: elas querem ser amadas, e o interesse, o amor que alguém lhes manifesta, ou que elas supõem no outro, é sempre uma condição para desencadear seu amor, ou, pelo menos, seu consentimento”.

Somos marionetes no amor?

“Não. Entre tal homem e tal mulher, nada está escrito por antecipação, não há bússola, nem proporção pré-estabelecida. Seu encontro não é programado como o do espermatozoide e do óvulo; nada a ver também com os genes. Os homens e as mulheres falam, vivem num mundo de discurso, e isso é determinante. As modalidades do amor são ultrassensíveis à cultura ambiente. Cada civilização se distingue pela maneira como estrutura a relação entre os sexos. O modelo ideal do ‘grande amor de toda a vida’ perde, pouco a pouco, terreno para os encontros rápidos, e toda floração de cenários amorosos alternativos, sucessivos, inclusive simultâneos”.

Então não existe relacionamento para eternidade?

“Dizia Balzac que toda paixão que não se acredita eterna é repugnante. Entretanto, pode o laço se manter por toda a vida no registro da paixão? Quanto mais um homem se consagra a uma só mulher, mais ela tende a ter para ele uma significação maternal: quanto mais sublime e intocada, mais amada. E quando uma mulher se agarra a um só homem, ela o castra. Portanto, o caminho é estreito. O melhor caminho do amor conjugal é a amizade, dizia, de fato, Aristóteles. O que faz objeção à solução aristotélica é que o diálogo de um sexo com outro é impossível, suspirava Lacan. Os amantes estão, de fato, condenados a tentar aprender indefinidamente a língua do outro, tateando, buscando as chaves, sempre revogáveis. O amor é um labirinto de mal entendidos onde a saída não existe”.

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