“Todos nós somos descendentes de imigrantes. Toda humanidade é formada por imigrantes. Saímos da África e nos espalhamos pelo mundo inteiro. Mesmo os indígenas Tupis que estavam aqui no litoral na chegada dos portugueses, mesmo estes, tinham vindo de áreas da Amazônia e migrado para o litoral. Todos nós temos um ancestral que veio de um lugar para outro: ou em busca de melhores condições ou fugindo de uma perseguição política ou religiosa, ou por algum outro ponto, ou acidente biográfico ou do país de origem. Então a primeira questão a levantar é: somos imigrantes, somos descendentes de imigrantes.

Tendo chegado a mais tempo, nos estabelecemos, conseguimos algo no país, assumidos a nacionalidade que muito nos orgulha, a de sermos brasileiros, mas as migrações continuam. A nossa constituição estabelece a solidariedade como um dos princípios constitucionais. Ou seja, não apenas como uma disposição pessoal, mas como uma regra constitucional: que o Brasil tem por obrigação ser solidário, de dar soluções pacíficas. Assim como muitos brasileiros tiveram que fugir daqui no passado: ou por crise econômica, ou por perseguição política; assim também nós, com o nosso território gigantesco temos uma tradição de acolher imigrantes.

Os imigrantes chegam com diversas fragilidades (fragilidade de língua, fragilidade econômica, fragilidade cultural de adaptação) a um país.

Dentro dos limites do que é possível, dentro dos limites do que é viável para um país, todos nós temos uma obrigação muito forte de solidariedade internacional. Nós precisamos continuar essa tradição que foi a marca do país. O país cresceu, se expandiu e tem a população que tem hoje, em grande parte, porque recebeu levas e levas de italianos, de espanhóis, de alemães… de pessoas que vieram para cá espontaneamente, ou pessoas que foram trazidas à força, como no caso da escravidão de origem africana. Somos um país de pessoas em imigração. E uma das questões mais importantes, mais fundamentais, é que essa solidariedade não se interrompa.

O imigrante pode ser uma poderosa colaboração para um país. O imigrante pode trazer uma realidade distinta. Dentro de critérios, dentro de um amparo possível é muito importante que todos nós estejamos aptos a pensar na questão dos imigrantes.

O Brasil tem recebido levas de venezuelanos pressionados pelo declínio da situação econômica e política do país. Temos recebidos também habitantes da ilha do Haiti que vem fugindo de fenômenos naturais, como terremotos ou da pobreza. Temos recebido pessoas do Oriente Médio; recebemos também muitas pessoas de outros países da América Latina, refugiados africanos, pessoas que vieram em busca de uma vida melhor.

E é nossa obrigação continuar com a marca brasileira, a marca que nos acolheu no passado… porque um dia o seu avô, o seu bisavô ou seu ancestral foi acolhido neste país, também fugindo de uma situação trágica; também buscando uma situação melhor. É de um egoísmo absoluto que eu, tendo chegado na terça-feira, feche a porta na quinta para que mais pessoas não consigam entrar.

É uma falta de respeito, uma falta de caráter, é uma falta de solidariedade pela lei, pela solidariedade que a nossa cidadania exige. Nós precisamos pensar em medidas para absorver esses imigrantes que podem ser uma poderosa contribuição para o nosso país, essencialmente, mestiço; essencialmente de imigrantes; essencialmente sem unidade, mas com um território vasto, generoso e com uma tradição social de acolhida à diferença”.

(Transcrição feita pelo Portal Raízes da fala do professor Leandro Karnal no vídeo: O Brasil deve receber imigrantes? – publicado em Prazer, Karnal – Canal Oficial)






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