O ator Matheus Nachtergaele foi convidado pelo SESC para uma apresentação em uma live do espetáculo Processo de Conscerto do Desejo, onde recita os poemas de sua mãe, a poetiza Maria Cecília Nachtergaele – que tirou a própria vida quando ele tinha apenas 3 meses – Matheus entra em cena para uma apresentação intimista e desconcertante (assista no final da matéria).

A encenação foi reapresentada em sua própria casa, durante a pandemia. Na quarta-feira (10/07, às 21h30, no Instagram e no YouTube do Sesc São Paulo) O ator que também perdeu o pai no ano passado, recriou a peça para uma transmissão pela internet, e mudou o nome para ‘Desconscerto’, uma vez que com essa oportunidade poderia homenagear também o seu pai.

Em entrevista ao GShow, tomado de emoção, Matheus contou que as 16 anos, o pai lhe chamou para uma conversa, onde lhe contou que a sua mãe havia optado pelo autoextermínio quando ele estava com 3 meses de nascido. Ele que até então não sabia ao certo o que tinha acontecido com sua mãe, passou a ter várias respostas às inúmeras indagações que fazia desde sua infância. Nós do Portal Raízes extraímos alguns trechos da entrevista. Confira:

“Eu passei uma boa parte da minha vida enlutado pela perda precoce da mamãe”

portalraizes.com - Nachtergaele faz live emocionante representando a mãe que partiu tragicamente
“Minha mãe se foi quando eu era um bebê de 3 meses, mas guardei em algum lugar profundo o amor que recebi dela”. Matheus Nachtergaele

“Demorei muito porque o suicídio é um tabu. Eu passei uma boa parte da minha vida enlutado pela perda precoce da mamãe e, principalmente perturbado e modificado desde que eu soube que ela se matou”.

“Eu tinha 16 anos quando o meu pai me levou pra casa de praia em Maranduba, litoral paulista, para me contar em um encontro inusitado, só eu e ele, o que tinha acontecido. Ele tomou um grande porre, tomou coragem e contou com detalhes a noite do suicídio da mamãe. Eu fiquei muito espantado, muito triste, muito chocado e muito aliviado por saber, finalmente, o que tinha acontecido com ela. Nessa mesma noite ele me entregou a pasta azul com os poemas. Eu fui pra beira da praia, passei a noite ali, amanheci ali, lendo os poemas, procurando pela primeira vez ouvir as palavras da minha mãe e acho que naquele momento eu me tornei o artista que eu sou”.

“Eu convivi com isso tudo de uma maneira opaca, obscura, tristonha”

“Eu convivi com isso tudo de uma maneira opaca, obscura, tristonha… Obviamente não se conta para uma criança a verdade sobre o suicídio, e eu fui criado, então, por meu pai e a sua mulher, minha madrasta, a Carmem, meus três irmãos, filhos dela com papai, como se nada tivesse acontecido. A partir dos 16 anos, quando eu soube da verdade, tudo mudou”.

“Eu entendi que eu era fruto de uma grande tragédia familiar. Compreendi melhor o desespero, a bebedeira do meu pai, e a constante sensação de que a vida me escondia alguma coisa”.

“Sou ao mesmo tempo o filho e o arauto da minha mãe. Utilizo meu material de ator, meu corpo e minha criatividade, minha coragem, para dar voz para aquela que se calou. E finalmente realizo um pequeno milagre que, talvez, só o teatro possa realizar. Deixar minha mãe viva, não só através do meu corpo, pois eu sou sua descendência, mas tendo sua obra celebrada, há cinco anos, de maneira muito poética e dançante”.

Todos os sentimentos do ato são colocados no espetáculo

“Faço a minha queixa e consigo fazer um espetáculo que acredito que não seja neurótico ou de autoajuda. Atingimos no Processo de Conscerto do Desejo o sentimento da piedade, da catarse e chegamos a um tipo de alegria. Acho que a peça ficou muito bonita e ela está em movimento, nunca para de mudar. Eu nunca paro de descobrir coisas. As plateias vão me ensinando, as músicas vão mudando. Eu vou aperfeiçoando a partitura emocional, técnica da peça…”

“É uma peça para me acompanhar pela vida toda. Faz parte do meu processo como ser humano, da superação do meu luto, e é por isso que o título é tão psicanalítico, Processo de Conscerto do Desejo. O desejo é aquilo que nos move, tudo a que nos leva a querer viver, minha mãe decidiu morrer, por isso eu faço um ‘conscerto’, um conserto da minha relação com esse desejo dela, um trabalho em alegrar o que parecia triste, ou pelo menos em tirar do que parecia triste sua melhor beleza. Consigo diante da plateia fazer minha queixa de forma poética e purgar junto com ela nossos lutos, portanto, vou consertando nesse processo algumas coisas, num concerto de música. Conscerto (por isso o SC na palavra)”.

Veja o espetáculo:






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